Artigo - A Recuperação Judicial das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
A Lei n° 11.101/2005, foi criada com o objetivo principal de recuperar e preservar empresas que estejam vivenciando problemas financeiros e que durante certo período de tempo precisam de um tratamento diferenciado, tanto por parte de seus credores quanto por parte do sistema Judiciário, para consolidarem mudanças de gestão necessárias para reestabelecer e organizar suas atividades e o seu fluxo de caixa.
Dentre os dispositivos e facilidades trazidos com o objetivo de simplificar o andamento e reduzir os custos dos processos de recuperação das empresas, a lei previu, no artigo 70 e seguintes, um regime especial para os empreendimentos classificados no rol das microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), tendo em vista que havia a preocupação do legislador em estabelecer um regime que se adequasse as necessidades e possibilidades financeiras destas empresas, permitindo o seu soerguimento.
Em que pese a lei ter tido a preocupação com as ME e EPP, a opção pelo regime especial é uma faculdade concedida a tais empresas, a qual deve ser manifestada logo no início do processo, como bem determina o artigo 70, parágrafo 1°, da Lei n° 11.101/2005.
Feita essa opção, a empresa deve seguir o mesmo procedimento estabelecido no artigo 51, da Lei n°11.101/2005, o qual determina que o pedido de recuperação judicial deve vir instruído com todos os documentos listados na lei, os quais tem como função comprovar ao Magistrado que a empresa possui condições de recuperação. Contudo, ao contrário do que acontece com as empresas sujeitas ao regime comum, a lei permite que as empresas em regime especial apresentem seus livros e escrituração contábil de forma simplificada[1].
No regime especial não poderão fazer parte do plano de recuperação judicialos créditos oriundos de débitos fiscais, os créditos decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3°[2] e 4°[3] do art. 49., os quais poderão ser cobrados/executados durante o processo de recuperação judicial, haja vista que o stay period (p de suspensão das cobranças contra o devedor pelo prazo de 180 dias) apenas suspende o prazo de cobrança dos créditos abrangidos pelo regime especial no processo de recuperação judicial das ME e EPP.
No entanto, a lei prevê em seu artigo 68, parágrafo único[4], que havendo elaboração de plano de pagamento para os débitos fiscais, as Fazendas Públicas e o INSSdeverão conceder prazo de pagamento 20% superior àquele concedido às empresas que estão fora do regime especial.
Ao contrário do que acontece no regime comum, no regime especial a lei não prevê a obrigatoriedade de realização de Assembleia Geral de Credores (AGC), devendo o plano ser homologado diretamente pelo Magistrado, caso atenda a todos os requisitos legais (artigo 72). Entretanto, caso sejam apresentadas objeções de credores que representem mais da metade dos credores de qualquer uma das classes, o Magistrado deverá julgar improcedente o pedido de recuperação judicial e decretar a falência, como determina o artigo 72, parágrafo único, da Lei n°11.101/2005.
No que diz respeito à remuneração do Administrador Judicial, o regime especial também previu pagamento diferenciado, limitando a remuneração desse profissional a 2% do valor da causa, enquanto que a remuneração do Administrador Judicial fora do regime especial pode chegar até 5% do valor da causa.
Outra questão que diferencia o regime especial das ME e EPP das demais companhias sujeitas a recuperação judicial e que talvez seja a questão mais importante entre os diferenciais até aqui apresentados, diz respeito aos prazos para pagamento dos débitos.
Isso porque as empresas não sujeitas ao regime especial podem propor aos seus credores quaisquer valores de deságio, bem como quaisquer prazos de carência e parcelamentos, cabendo aos credores aprovar ou não. Já no regime especial, em que pese a possibilidade da empresa recuperanda poder propor qualquer valor de deságio, ela deverá realizar o pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 180 dias, contados da data do pedido, sendo que o número de parcelas não pode ultrapassar 36 meses.
Como se verifica, o objetivo da lei em diferenciar as ME e EPP das demais empresas, teve como objetivo principal proporcionar sua recuperação de forma menos gravosa, haja vista que, como é sabido o processo de recuperação judicial gera altos custos a empresas e no caso das empresas aqui mencionadas isso poderia agravar sua situação e impedir que elas aderissem aos meios previstos em lei para soerguimento e recuperação de suas atividades, muito embora as limitações de carência e prazo de amortização imponham dificuldades.
Contudo, é importante lembrar que antes de aderir ao regime especial, cabe aos gestores da empresa realizarem uma análise pormenorizada da situação da empresa para avaliarem qual regime ela se enquadra melhor, tendo em vista não apenas os custos, mas também a sua capacidade de geração de caixa frente aos prazos de pagamento diferenciados a que a companhia estará sujeita.
Carolina Christiano, advogada com especialização em Direito Tributário, Recuperação Judicial e Reestruturação de Empresas pelo Insper e mestrado em Banking, Corporate and Finance pela Fordham University/New York, é sócia do departamento jurídico da Rio Anhumas Consultoria Empresarial.
carolina.christiano@rioanhumas.com.br
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[1] § 2o Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.
[2] § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6odesta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
[3] § 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
[4] Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas.